Há dois anos, em um curso sobre transformação digital, o professor Michael Wade, do IMD – Lausanne, Suíça, coautor do livro “Digital Vortex”, se utilizou na aula inaugural da figura de um furacão (vortex), ilustrado na figura abaixo, para ilustrar como o avanço da tecnologia da informação estava transformando os vários setores da economia.
Global Center for Digital Business – 2017
Michael Wade define o conceito de “digital” como a convergência de múltiplas inovações tecnológicas possibilitadas pela conectividade, citando como exemplos big data e analytics; computação na nuvem; soluções para dispositivos móveis; redes sociais e outras aplicações colaborativas; internet das coisas e dispositivos conectados à web; inteligência artificial e machine learning; blockchain; e realidade virtual.
Este furacão digital tem quatro principais características:
Converging: a convergência que atrai tudo ao redor para o centro do furacão.
Unbundling: tendência à fragmentação de negócios – partir grandes negócios e empresas em negócios menores e específicos.
Exponential: velocidade em constante aceleração.
Chaotic: ausência de um rumo definido ou de uma lógica intrínseca.
Alguns setores, como mídia e entretenimento, estavam no “olho do furacão” sendo totalmente impactados e transformados pelas novas tecnologias e modelos de negócios (pontos cor alaranjada na figura acima). Outros setores estavam no meio do caminho, já sofrendo algum impacto, mas ainda sem grandes transformações (pontos azuis).
Por fim, alguns setores ainda estavam nas camadas mais periféricas do furacão, até então pouco impactadas pela transformação digital (pontos verdes na figura), entre eles o setor de Real Estate.
No entanto, havia algo em comum: a previsão de que o furacão chegaria a todos os setores, mais cedo ou mais tarde, independentemente da vontade de seus atores…
A lógica do Vortex mostrava que, dependendo de onde o seu setor de negócios estava, as reações dos players poderiam variar. Para indústrias no centro do furacão, as empresas já não tinham mais alternativas: ou se transformaram e adaptaram, ou morreram, dando lugar aos novos entrantes do mundo da inovação. Neste campo, algumas grandes empresas foram extintas, enquanto outras mais tecnológicas tomaram seu lugar (ex: Blockbuster X Netflix).
Nos setores ainda fora do centro, a principal diferença é com relação ao tempo de reação que as empresas dispõem para serem atingidas, mas o destino é certo. E o que todas as empresas desses setores ainda não atingidos têm em comum é a jornada de preparação para a transformação digital.
Essa preparação envolve três perguntas centrais: “por que mudar?”, “o que transformar?”e “como transformar?”.
O “por que mudar?” começa pela consciência da existência do furacão com suas oportunidades e ameaças.
Na sequência, “o que transformar?”, remete à escolha de como se diferenciar, combinando custos menores, experiências melhores e utilização de plataformas digitais.
E a partir disto surge o “como transformar?”, que passa pela rápida digitalização dos negócios, com atenção total às mudanças de mercado e tomada de decisão de execução ágil e com base em informação.
Desta maneira, a jornada de transformação digital e inovação passa por fases de consciência, estudo e reflexão, e ação.
Na ocasião em que Michael Wade apresentou a figura do vortex, o setor de Real Estate se encontrava na parte periférica do vortex. Hoje, na minha opinião, o setor imobiliário, e a construção civil como um todo, estão no grupo azul, ou seja, no centro da inovação.
A boa notícia é que, de maneira geral, as empresas estão cada vez mais conscientes e se preparando para o “olho do furacão”, de modo que algumas já transformaram total ou ao menos parcialmente seus negócios.
Ao mesmo tempo, várias startups cresceram e lançaram modelos de negócios inovadores e disruptivos, e o Brasil já conta com dois “unicórnios” (empresas avaliadas em mais de U$ 1 BI ) no setor, além de dezenas de outros negócios inovadores e tecnológicos que vem crescendo com grande destaque nacional e internacional.
Nessa esteira, temos percebido através de nossas conversas com Construtechs e proptechs (entrevistamos mais de 200 cases ao longo do último ano), que existem iniciativas brilhantes, com equipes altamente qualificadas, procurando viabilizar modelos de negócios inovadores e que tem o potencial verdadeiro de alterar a “cara” do nosso mercado. Temos como propósito fomentar a inovação no setor, seja investindo, criando, mentorando ou conectando startups e players do setor. Assim como nós, este ecossistema possui inúmeros outros agentes, e vem se tornando maior, mais robusto e mais consistente a cada ano.
Com toda certeza, em algumas áreas a possibilidade de inovação e disrupção é mais visível, como em intermediações, (compra, venda e aluguel), uber-ização e tinder-ização de negócios, coworking e coliving, segmentos ligados ao desenvolvimento imobiliário (ferramentas de busca de terrenos, primeira ocupação e reformas, retrofits, modelagem em 3D e gestão de projetos), tecnologias de impacto ambiental e gestão de carteiras.
As oportunidades para empreendedores, profissionais, prestadores de serviços e fornecedores são imensas. A onda está apenas em seu começo, e a quantidade de investimento disponível através de fundos de venture capital e anjos para o setor tem crescido ano após ano. Em 2019, o Brasil atingiu o marco de 1.9 bilhões de reais investidos nos 26 principais deals do setor (Fonte: Terracota Ventures, fevereiro de 2020).
Hoje, mesmo nas áreas mais “hardcore” do setor, como tecnologias para cadeias construtivas e industrialização, temos notado bastante avanço. A maioria das grandes empresas, bem como a cadeia de suprimentos relacionada ao setor, têm investido constantemente em programas de inovação e feito um esforço de desenvolvimento e pesquisa em níveis nunca antes vistos. Com certeza, a transformação se dará de forma muito rápida, e a sobrevivência das empresas estará associada ao quanto elas estarão preparadas para esse novo mundo em um futuro muito próximo.
Tenho uma longa carreira executiva no setor imobiliário, e vejo com satisfação que o rótulo de “setor conservador” e “arcaico” está mudando rapidamente. Como setor, estamos nos preparando muito bem para estar no “olho do furacão”.
É um ambiente novo, fascinante, que oferece inúmeras oportunidades e alternativas, com muitas possibilidades de fazermos algo de fato relevante para a melhora do nosso mundo.